Startups: Cenário de crise deve reduzir valor médio de investimento
Se durante a pandemia as startups voaram em céu de brigadeiro com a alta liquidez dos mercados e juros próximos a zero, o que gerou recordes de aportes, agora elas estão começando a ver um horizonte menos favorável se formando.
O cenário de inflação fez com que as taxas de juros subissem em todo o planeta, e resultados abaixo do esperado de diversas companhias listadas criaram um cenário de alerta. Isso não quer dizer que os investimentos vão cessar, mas é certo que os empreendedores precisarão de mais argumentos e resultados para atrair recursos.
Isso já está acontecendo em nível global, segundo levantamento feito pela consultoria americana Carta. Os valores dos aportes realizados entre janeiro e fevereiro tiveram redução média de 26%. Segundo Laura Constantini, representante do comitê de venture capital da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), a avaliação das companhias também voltou para a média histórica – nos últimos dois anos, estavam 30% superiores.
“O mercado está se ajustando e é uma mudança de cima para baixo. Como as empresas mais maduras estão sendo impactadas, o restante do mercado também vai acompanhar”, diz ela, que acredita que os valores investidos devem cair mais nos próximos meses.
Impactos nas startups
Seja por erros de gestão ou pelo cenário de juros em alta, que impacta as empresas voltadas para o crescimento, o cenário para as startups virou. O Nubank, que fez a estreia mais esperada de uma companhia brasileira no mercado de ações nos últimos anos, perdeu cerca de 20% de valor de mercado desde o IPO.
Já a Locaweb, antes uma queridinha dos investidores, perdeu 55% do seu valor nos últimos 12 meses. E a empresa de pagamentos Stone está ainda pior: desvalorização de 80% no mesmo período.
Um diagnóstico é que, com os resultados expostos após a abertura de capital, as empresas ficaram vulneráveis ao julgamento em tempo real dos investidores. Geraldo Melzer, sócio fundador do fundo Abseed, afirma que passou os últimos dois anos tendo “conversas malucas”. “No ano passado, tínhamos empresas em estágio inicial, sem geração de receita, colocando valor de mercado de R$ 100 milhões”, afirma. “Esse tipo de pessoa está mais tímida, pois há uma nuvem cinza de incertezas no ar.”
Mudanças
Apesar de a noção geral ser de um cenário mais tímido no País, esse freio ainda não aparece nos dados do Brasil. Segundo levantamento da consultoria Distrito, o volume de investimento em startups subiu 35% nos meses de janeiro e fevereiro, para US$ 1,36 bilhão, em comparação ao primeiro bimestre de 2021. O número de aportes, no entanto, caiu de 118 para 91.
Segundo investidores e especialistas, a volatilidade do mercado tem feito investidores procurarem empreendimentos mais sólidos e se afastarem dos “negócios de PowerPoint” – ou seja, que ainda não se provaram no mercado. E estão até dispostas a pagar mais por negócios mais seguros: a fintech Neon, por exemplo, captou US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,4 bilhão) neste ano.
Para João Kepler, presidente do fundo Bossanova Investimentos, que costuma apostar em empresas em estágios mais iniciais, o excesso de dinheiro no mercado fez com que vários empreendedores inflacionassem os valores de seus negócios. “Nós temos tentado trazer os valores para o racional e colocar os empreendedores com o pé no chão”, afirma Kepler, que prevê investir R$ 300 milhões em 250 empresas em 2022.
Bolha?
Quem está tentando comprar novos negócios no Brasil ainda não vê a queda dos preços dos negócios na prática. Para Fernando Cirne, presidente da Locaweb, que vem sendo uma compradora serial nos últimos anos, não faz sentido que as empresas de capital aberto estejam sofrendo mais do que aquelas que ainda não foram para a Bolsa. “Por que uma empresa que dá lucro e cresce e já tem a sua tese comprovada sofre mais do que as que estão no mercado privado e ainda não testaram sua tese?”, questiona o executivo.
Apesar do cenário mais negativo, a possibilidade de uma eventual bolha no mercado de startups é afastada por especialistas, que enxergam muita oferta de empresas inovadoras. Um apetite menor por parte dos investidores, porém, não está afastado, apesar dos dois primeiros meses de aportes recordes no País.
“Dado todo o contexto nacional e internacional, podemos ver impactos nos aportes ao longo do ano. Vamos acompanhar de perto”, afirma Tiago Ávila, analista da consultoria Distrito.
*As informações são do jornal O Estado de S. Paulo e Estadão Conteúdo.