Julgamento do STF declara orçamento secreto como inconstitucional por 6 votos a 5
Na quarta sessão de julgamento sobre o processo, o voto do ministro Ricardo Lewandowski foi decisivo para a definição do caso
Nesta segunda-feira (19), o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 6 votos a 5, a inconstitucionalidade das emendas do relator-geral do Orçamento, instrumento que ficou conhecido como “orçamento secreto”. Na quarta sessão de julgamento sobre o processo, o voto do ministro Ricardo Lewandowski foi decisivo para a definição do caso.
Ele acompanhou a relatora do processo, a ministra Rosa Weber, na qual potencializou a derrubada do mecanismo usado para negociações políticas no Congresso Nacional.
“No mérito, por maioria, julgou procedente os pedidos deduzidos nas ADPFs 850, 851, 854 e 1014 para declarar incompatíveis com a ordem constitucional brasileira as práticas orçamentárias viabilizadoras do chamado esquema do orçamento secreto, consistente no uso indevido das emendas do relator-geral do orçamento para efeito de inclusão de novas despesas públicas ou programações no projeto de lei orçamentária anual da União”, disse Rosa Weber ao proclamar o resultado do julgamento.
Votos da Suprema Corte
O STF analisou quatro ações (Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 850, 851, 854, 1014) que contestam as chamadas emendas de relator ao orçamento, origem do escândalo do orçamento secreto revelado pelo Estadão.
As ações foram protocoladas por três partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro (PL) – PSOL, Cidadania e PSB – e pedem que o orçamento secreto seja declarado inconstitucional.
A primeira a se posicionar pela inconstitucionalidade das emendas foi a presidente da Suprema Corte, Rosa Weber. Os ministros que se manifestaram de forma favorável à tese na última sessão foram Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Carmén Lúcia e Luiz Fux. Ricardo Lewandowski, que se apresentou na manhã desta segunda, foi oposição.
Já os ministros Gilmar Mendes, que também se pronunciou hoje, Dias Toffoli, André Mendonça, Nunes Marques e Alexandre de Moraes votaram a favor da continuidade das emendas do relator, mas com critérios.
Mendonça e Nunes Marques votaram por manter as emendas de relator, mas cobram mais transparência. O voto de Toffoli, por sua vez, sugeria a regulamentação do tema pelo Executivo e Legislativo, em até 90 dias, observando critérios como a alocação dos recursos de acordo com prioridades estratégicas do País e a isonomia no tratamento dos entes municipais.
Já Moraes propôs que o orçamento secreto seja executado desde que a distribuição e pagamento das emendas se encaixem no mesmo procedimento das emendas individuais em até 90 dias. De acordo com o ministro, a destinação dos recursos deve observar a proporcionalidade entre parlamentares da maioria e da minoria e entre bancadas do Congresso, “para evitar que haja privilégio de um parlamentar sobre o outro”.
Segundo o decano da Corte, apesar da necessidade de se garantir transparência ao mecanismo, não é possível simplesmente declarar inconstitucional a possibilidade de emendas de relator prever despesas restringindo-a a ajustes técnicos.
Ele defendeu que sejam tomadas medidas para garantir a publicidade, acesso público e rastreabilidade do dinheiro em 30 dias, e para que as instâncias administrativas que receberam esse tipo de verba publiquem as informações sobre elas em até 90 dias.
Orçamento secreto
As emendas de relator (ou RP9, no termo técnico) são apresentadas pelo deputado ou senador que, em determinado ano, é escolhido para produzir o parecer final sobre o Orçamento, o chamado relator-geral.
Na peça de 2023, o cargo é ocupado pelo senador Marcelo Castro (MDB-PI). E o montante reservado para este dispositivo era de R$ 19,4 bilhões.
Mesmo levando a assinatura do relator, tais sugestões são feitas por diversos parlamentares, negociadas ao longo da tramitação do Projeto de Lei Orçamentário Anual (PLOA) no Congresso Nacional. Mas as impressões digitais dos verdadeiros autores dos pedidos não são passíveis de monitoramento.
O apelido “orçamento secreto” vem justamente da falta de transparência na execução das despesas e, sobretudo, na autoria do pedido para a alocação dos recursos, que representam uma fatia maior das despesas públicas em um exercício.
O dispositivo ganhou protagonismo e foi fundamental na construção de base de apoio ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), além de ter ampliado os poderes do Legislativo na relação com o Executivo.
Reflexos políticos
O julgamento do STF deve refletir na relação entre o Congresso e o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). De acordo com o Broadcast Político, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado, o orçamento virou instrumento de barganha política entre o Centrão e o Palácio do Planalto sob o governo de Jair Bolsonaro.
É por meio da distribuição de emendas bilionárias, sem qualquer critério técnico, prioritário ou transparente, que o Planalto vinha negociando apoio no Congresso.
A manutenção dessa prática é considerada essencial pelo Central para que a Câmara aprove, nesta terça (20), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que permite ao futuro governo o pagamento do novo Bolsa Família de R$ 600,00 e o aumento do salário mínimo.
Os deputados ameaçam desidratar o texto e até mesmo barrá-lo na Câmara, se o STF acabasse com o orçamento secreto.