Dólar é negociado a R$ 4,84 em meio a guerra e crise econômica: quais motivos levaram à sua queda?
Bolsa brasileira barata, commodities em alta e Selic em 11,75% são alguns fatores que explicam o dólar alcançar seu menor patamar desde 2020
Com a forte queda em relação ao real, mesmo durante a guerra na Ucrânia, e a alta de juros nos Estados Unidos, o dólar é algo que vem surpreendendo bastante nos últimos dias. Esses fatores eram o bastante para fazer o real brasileiro perder força, por conta da aversão ao risco e a maior atração de recursos para a economia americana.
Fatores como commodities em alta, bolsa brasileira barata, combinação Selic em dois números e saída de investimentos da Rússia e leste europeu rumo a outros mercados emergentes, explicam o motivo do dólar, que em 2021 chegou próximo dos R$ 5,80, ser negociado atualmente abaixo dos R$ 5, chegando a R$ 4,84 na quarta-feira (23), alcançando seu menor patamar desde março de 2020.
Segundo analistas ouvidos pela BBC News Brasil, com a perspectiva de commodities em alta por mais tempo, e de o Banco Central subir ainda mais os juros no Brasil, o real pode sim continuar se fortalecendo no curto e o dólar atingir novos patamares de baixa.
Já para os economistas, esse movimento não deve se sustentar num prazo mais longo. Eles avaliam que o dólar pode voltar a ganhar força mais à frente, isso devido à perspectiva de uma alta mais forte dos juros nos EUA e com as eleições que terão em outubro.
Entenda sobre a queda recente do dólar em relação ao real
Qual o motivo da queda?
O economista da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, explica que existem dois motivos que podem explicar a queda do dólar em relação ao real. O primeiro motivo, é referente a alta das commodities, das quais o Brasil é um grande exportador mundial. E o segundo motivo, é a Selic, que atualmente está em 11,75% com perspectiva de novas altas nos próximos meses.
Campos Neto diz que “O real vinha sendo muito desvalorizado, mas não havia nenhuma grande expectativa de correção no curto prazo, então a queda recente do dólar de fato surpreende”.
Ele afirmou que “o primeiro fator que explica isso é o fato de esse ser um ano muito favorável às commodities, movimento que foi reforçado pelo conflito no leste europeu. Isso deu um gás nos preços de uma série de itens e o real é uma moeda liquidamente beneficiada por esse fator, por ser o Brasil um grande exportador”.
A forte alta de juros no Brasil levou o país a ter a segunda maior taxa de juros reais do mundo, ficando atrás somente da Rússia, e a quarta maior taxa de juros nominal, atrás somente de países que possuem graves problemas econômicos, como Argentina (42,5%), Rússia (20%) e Turquia (14%).
“O reposicionamento da taxa de juros para um patamar mais condizente com a nossa realidade permitiu um olhar dos investidores para cá, com isso temos visto um redirecionamento de fluxos já desde o início do ano”, completou Silvio Campos.
Há também o fluxo de investidores que deixaram a Rússia e o leste europeu em meio à instabilidade, e que encontraram no Brasil uma nova alternativa de investimentos em países emergentes.
Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas Investimentos, observa que “os dados de fluxo cambial do Banco Central mostram uma entrada de um pouco mais de US$ 10 bilhões para o Brasil no acumulado do ano”.
“Isso indica que o investidor estrangeiro volta a olhar o Brasil com atratividade: um país que estava barato, com moeda desvalorizada. Agora, com juros altos e commodities em alta, ele se torna uma referência para países emergentes, num momento em que outros emergentes são abalados, caso da Rússia e todos os países do leste europeu”.
A moeda pode cair ainda mais?
O dólar pode sim cair ainda mais, em um horizonte próximo, segundo Rocha e Campos Neto.
“Olhando todos os vetores que estão puxando o dólar para baixo, não temos ainda perspectiva de uma mudança de cenário. Os preços de commodities continuarão pressionados e a Selic, por mais que o Banco Central queira já apontar para um fim do ciclo de alta, ainda não dá para escrever em pedra qual vai ser o nível final da taxa de juros”, observou Marcela Rocha.
O BC indicou na última ata do Copom (Comitê de Política Monetária), que pode levar a Selic acima de 12,75%, dependendo do que vai acontecer com o valor do barril de petróleo, que é algo que impacta os preços dos combustíveis no Brasil, e a inflação.
O barril de petróleo chegou aos US$ 120 nesta última quarta-feira, num sinal de que a autoridade monetária brasileira tenha, talvez, que levar a taxa de juros acima dos 13%.
É sustentável essa queda do dólar?
Os economistas avaliam que não. Com a aproximação da eleição e a alta de juros nos EUA, esse movimento deve estancar.
A economista da Claritas, diz que “estamos falando de um real valorizado num momento em que o Fed está subindo juros e o dólar se aprecia globalmente. Esse aumento de juros lá fora vai ser mais intenso e isso deve trazer condições mais complicadas para fluxo de investidor estrangeiro em emergentes”.
Nenhum dos candidatos favoritos à Presidência é percebido pelo mercado como comprometido com uma agenda econômica ortodoxa, com reformas para reduzir o gasto público, então, as eleições devem sim trazer volatilidade ao câmbio.
Campos Neto disse: “Claro que, se tivermos um novo governo indicando uma agenda econômica mais ortodoxa e responsável, temos condições de o câmbio terminar o ano no patamar atual ou até um pouco abaixo disso. Mas, diante das possibilidades que estão atualmente colocadas, há no mínimo uma grande incerteza sobre como vai ser a condução da economia a partir do ano que vem”.
Para a economia, qual o efeito da moeda americana em queda?
Caso fosse sustentável essa queda do dólar, iria trazer um alívio para a inflação, compensando parte do efeito da alta das commodities e barateando a importação de insumos.
Porém, Marcela avalia que esse não é o caso.
“Para ter um repasse dessa queda do dólar para a inflação, seria necessário ter visibilidade de que esse quadro vai durar por algum tempo, mas não é isso que vemos hoje”, completou Marcela.
O efeito deve ser pouco para os exportadores, afirmou Campos Neto, já que se beneficiam dos altos preços das commodities. Mas também pode ser favorável para a importação de bens industriais, diante da perspectiva de que a economia brasileira deve ter algum crescimento este ano, mesmo que baixo.